Friday, July 07, 2006

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Novo endereço - Conteúdo atualizado
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Sunday, July 02, 2006

ITAMAR FRANCO, ESSA MALA
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"Se Itamar Franco fosse um objeto,
seria melhor perdê-lo do que achá-lo”
Sérgio Barleben
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A convenção do PMDB de Minas Gerais, em muito boa hora, impôs vexatória derrota ao decadente Itamar Franco, impedindo-o de disputar o senado nas eleições de outubro. É bem verdade que em seu lugar o candidato será o inefável Newton Cardoso, o "Newtão", um simpático indivíduo que tem o péssimo hábito de confundir o dinheiro público com sua imensa fortuna pessoal...
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Mas Itamar Franco é um eterno incompreendido. Chego a pensar que toda a humanidade está errada, mas ele, tal qual uma personagem fronteiriça de Lima Barreto, é quem está certo. Desafiando a lógica, desprezando antigos e consagrados conceitos, seguindo um, digamos, raciocínio particularíssimo, tal qual um Forest Gump jeca, chegou à presidência da sereníssima República e governou Minas Gerais. “Governou” é força de expressão, é licença poética, pois ele não governa nada, coisa alguma, sendo um diletante em tempo integral, atazanando a vida dos que querem fazer e construir.
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Itamar é um dos melhores exemplos de como o Brasil tem insopitável vocação para glorificar a mediocridade, premiar a inoperância, louvar a incompetência. Com seu topete fora de moda, seus terninhos comprados na lojinha “Miami”, em sua cidadezinha, seu gosto duvidoso em se referir aos conterrâneos como “montanheses”, as costeletas ridículas que chegou a adotar, como se seu inacreditável topete já não fosse o suficiente para servir-lhe de moldura ridícula.
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Quando embaixador na Itália não teve vida social em Roma, não apreciou o Doria Pamphilli, nem conseguiu dominar o idioma de Dante. Nesse ponto, e só nesse, ele está desculpado: como falaria um belo e razoavelmente complexo idioma se mal fala o português?
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O ex-embaixador em Roma é uma personagem que, mirada pela grande angular da moderna psicanálise, pode ser esmiuçada, patologicamente esquadrinhada, enfim, deixar as coxias e os camarins e, como uma tardia Elvira Pagã de Juiz de Fora, deleitar-nos com um strep-tease onde transpareça, além da ranhetice e da sabida improdutividade, sua verdadeira persona.
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Itamar, na acurada análise de um psiquiatra amigo meu, tem permanente necessidade de afirmar-se como mineiro, recorrendo aos símbolos do Estado, para compensar o fato de ter nascido em um navio, em pleno litoral baiano, quem sabe em meio a uma daquelas tempestades tropicais que sacolejavam os vapores da Costeira e levavam o pavor aos humildes passageiros que haviam tomado um Ita no norte pra ir no Rio morar.
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Mineiro ele não é. Nem nunca será. Se os próprios mineiros se encarregaram de criar e propagar uma idéia que se tornou verdade absoluta, a da sapiência intelectual e da matreirice política de que são dotados, como acreditar que um político que roça a mediocridade, homem provinciano (pior, municipal...) e administrador sofrível, possa transformar-se de um dia para outro em ícone do estado que é berço de Antônio Carlos (não o malvado babalorixá ACM, mas a “Raposa das Alterosas”), Milton Campos, JK, Bias Fortes, Gustavo Capanema, Tancredo Neves, Cristiano Machado, Santiago Dantas, Magalhães Pinto ?
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Essa exacerbada mineiridade é uma forma de encontrar um ponto cardeal, que lhe faltará sempre, tanto na questão telúrica quanto na emocional. E aí, justamente aí, reside o drama de Itamar Franco.
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A questão comportamental é a faceta mais violenta da personalidade do ex-governador das Minas Gerais. Ele é capaz de tudo – embora não seja um homem desonesto, pelo contrário. Mas ele se presta a papéis que vão das raias da demência ao mais completo ridículo.
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Lembro-me bem que na campanha de 82, percorrendo o sul de Minas com o Dr. Tancredo Neves, num dia particularmente exaustivo, chegamos em um aviãozinho em Poços de Caldas e descemos a Mantiqueira visitando uma dezena de pequenas cidades até terminar a noite em Santa Rita do Sapucaí. Na casa senhorial dos Moreira, herdada pelo udenista Bilac Pinto, fomos recebidos por um simpático casal, Beatriz e Coriolano Beraldo. Uma mesa farta, daquelas que a hospitalidade dos mineiros costuma oferecer aos que visitam suas casas, nos esperava, e também a notícia de que o Senador Itamar Franco, em campanha na Zona da Mata, havia reclamado do voto vinculado e feito referências pouco elogiosas ao candidato de seu partido ao governo estadual. Tancredo, um dos políticos mais elegantes, respeitosos e convenientes que conheci em minha vida, um autêntico cavalheiro, segurou no ar a xícara de café e, com expressão grave, disparou o único impropério que escutei em quase um ano de estreita convivência: “Esse, é um filho da puta”. O silêncio foi total. Depois um comício grandioso, onde Tancredo eletrizou a multidão e pediu votos para Itamar, num exercício de dignidade incomum para o ressentido de Juiz de Fora.
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Anos depois, na campanha de 94, em viagem pela região de Governador Valadares, numa das zonas mais carentes de Minas, Lula, em sua segunda tentativa de eleger-se presidente e chocado com o uso da máquina em favor de Fernando Henrique, o candidato oficial, disparou para jornalistas que acompanhavam sua “Caravana da Cidadania”: “O Itamar é um filho da puta”. Itamar, presidente da República, ofereceu resposta bisonha: “Não sou filho da puta, minha mãe se chama Itália Franco”.
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Na campanha presidencial de 89, quando nosso herói, surpreendentemente, tornou-se o vice na chapa de Fernando Collor de Mello, ele foi a mais carimbada das figurinhas dos bastidores do pleito. Se para o grande público o histriônico Enéas Carneiro e o seu fascistóide Prona, eram motivo da mais absoluta chacota, para a imprensa e o meio político os potins mais deliciosos vinham das porraloquices do nosso Itamar.
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Por mais de uma vez renunciou à candidatura. Depois renunciou à renúncia. Brigou porque o jato que o servia não tinha banheiro, enquanto o de Collor tinha um “excelente mictório” – segundo palavras suas – e ficou mais tempo recluso em seu apartamento de Juiz de Fora do que trepado nos palanques Brasil afora, naquela que foi a mais frenética e exitosa campanha eleitoral assistida pelos brasileiros desde a que elegeu Jânio Quadros, em 1960.
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Desleal, conspirou durante todo o tempo contra o seu companheiro de chapa. Transformou sua suíte no Hotel Glória num permanente palco por onde desfilaram políticos decadentes, lobistas e amiguinhos da colônia mineira. A mesma massa ruim que lhe serviu de base para o governo sofrível que viria a fazer.
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Presidente, por obra do impeachment, cometeu barbaridades como a da nomeação de uma jovem e bela engenheira, funcionária da ponte Rio-Niterói, para Ministra dos Transportes. Era de tal forma obtusa, medíocre, desimportante, que ninguém se lembra dela nem de seu nome. Ficou poucos dias no governo e demitiu-se de forma abrupta, na crista de um pequeno escândalo. Comenta-se que a moça, amedrontada com com algum possível interesse do presidente, não desgrudava do maridão, um mal-encarado. Dona Cosette Alves, a inteligente e simpática ex-dona do Mappin, convidada para o Ministério da Indústria e do Comércio, renunciou no dia da posse, arrasada por um implacável artigo do colunista Giba Um, que desnudava tanto a convidada quanto o presidente que teve a péssima idéia de convocá-la para o seu time. Nepotista, nomeou um irmão, absolutamente despreparado e histriônico, para superintendente da previdência social no Rio de Janeiro. É inesquecível a cena, mostrada pelos telejornais da época, em que o esquizóide é enxotado pela população de um posto médico, onde, identificado, protagonizou um bate-boca dos mais baixos possíveis.
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Confrontado com a oportunidade histórica de reparar a clamorosa injustiça cometida contra o Capitão Sérgio Macaco, o herói do Parasar que se recusou a tornar-se um terrorista matando brasileiros inocentes por ordem do facinoroso brigadeiro João Paulo Penido Burnier, e foi cassado e aposentado na FAB, Itamar falhou. Falhou de forma covarde, mesquinha, pequena. Sérgio já era um vegetal, pesava pouco mais de 40 quilos, numa cama suportava mais o câncer que terminou por matá-lo do que a omissão de um governo fraco que se recusava a promovê-lo ao brigadeirato. Enquanto desfilava pelo sambódromo com a vulgaríssima Lílian Ramos sem a necessária (?) calcinha, Itamar se igualava aos que cassaram, prenderam e injustiçaram um dos mais notáveis exemplos de patriota e de militar digno, nas palavras sábias do saudoso brigadeiro Eduardo Gomes.
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Numa camaradagem que ainda hoje custa caro aos cofres públicos, nomeou cupinchas de raro despreparo para cargos da mais alta responsabilidade. Para nossa Embaixada em Lisboa, enviou uma das figuras mais curiosas, lamentáveis e improdutivas da vida pública brasileira, o José Aparecido de Oliveira. Não se pode dizer, em tal caso, que Itamar não tenha sido coerente e até sábio: que outro posto senão Lisboa para um político menor, provinciano, futriqueiro, inculto e – principalmente – monoglota?
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Logo após, reservou para si o Palácio das Mil Flores, uma agradabilíssima e opulenta construção a poucos minutos do centro de Lisboa. Construiu um galinheiro nos fundos do palacete, talvez o fato mais marcante de sua passagem por aquela representação diplomática. Embaixador mais omisso, impossível. Depois uma esticada até a OEA, em Washington. Apesar de ter levado alguns áulicos consigo, até mesmo o seu mordomo, um rapaz jovem e bem-apessoado, de ter importado a, digamos, namorada June Drummond ( paga pela falida Golden Cross, mas isso é outra história), Itamar pareceu um peixe fora d’água e curtiu sua ociosidade comendo pão de queijo e falando com a turma de Juiz de Fora em demoradas e dispendiosas ligações telefônicas internacionais. Nem inglês o preguiçoso se deu ao trabalho de aprender.
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Elegeu o seu sucessor na presidência, é verdade. Elegeu, mesmo. Gostem ou não os tucanos. Elegeu por ter dado liberdade a Fernando Henrique e sua equipe para que fizessem o plano real, do qual reivindica a paternidade (ou a maternidade, no dizer do irreverente e saudoso Serjão Motta). E ao levar FHC ao Planalto acreditou que voltaria quatro anos depois, numa troca de favores, numa retribuição entre comadres de Juiz de Fora, num toma-lá-dá-cá que lhe fascina. Não contava com a reeleição, comprada a peso de ouro, num dos capítulos mais sórdidos da história política republicana.
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Ficou bravo, esperneou, voltou e tentou ser candidato do PMDB, partido que havia abandonado em 86 pelo PL, numa tentativa frustrada de se tornar governador de Minas Gerais. Do mesmo PMDB que ele havia abandonado em 89 para ser o vice de Collor, no pitoresco PRN. É claro que o partido lhe deu um adeus de mão fechada e ele, raivoso, foi para sua inefável e feia Juiz de Fora e mandou que os amigos votassem em Ciro Gomes. Que perdeu feio em Juiz de Fora...
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Eleito, enfim, governador do Estado, num segundo turno com Eduardo Azeredo, Itamar protagonizou um dos momentos mais deselegantes da história política de Minas: sem compreender a grandeza e a civilidade do gesto do derrotado, que compareceu à sua investidura, pronunciou elegante discurso e desejou-lhe boa sorte, ele sequer olhou para Azeredo, comportou-se como um menino amuado, deixando escapar seu ressentimento, sua índole vingativa, sua ausência absoluta de fraternidade.
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Governo desastroso, ineficiente, prosaico. Rasgou contratos, atrasou salários, quebrou o Estado. Sequer teve a coragem de ser candidato à reeleição. Apoiou o jovem Aécio Neves, que demonstrando imenso caráter, tem descascado os inúmeros abacaxis herdados, sem dizer palavra, reconstruindo Minas Gerais, que encontrou devastada pela inépcia de seu antecessor.
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Agora o PMDB mineiro, mesmo que através da figura encardida de Newtão Cardoso, manda para casa esse parasita, que coloca - sempre, sempre, sempre - seus interesses pessoais acima dos interesses públicos. Bem feito, ele merece.
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Lula, esse desastre administrativo, que um dia o chamou de filho da puta, nomeou-o embaixador num país importante e faz pouco o cortejou através do cassado José Dirceu. Difícil saber quem é pior.
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Tuesday, June 27, 2006

O Catão da Cracolândia
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"Prá posar de vestal tem que ter cabaço"
Ruth Escobar
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A colunista Mônica Bergamo, na edição de hoje da Folha de S. Paulo, publica curiosíssima nota, onde dá conta de inesperada revolta do ex-secretário de comunicação do governo Fernando Henrique e hoje sub-prefeito da degradada sub-região da Sé, o nobilíssimo Andrea Matarazzo. Vale a transcrição pelo inusitado, envolto por certo ar de ridículo e de falsidade:
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"Edemar do barulho
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Está armada a confusão na Fundação Bienal, que reconduziu o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira para o cargo de conselheiro. Ele está preso em Tremembé. "É um acinte. Todas as pessoas de bem estão furiosas", diz Andrea Matarazzo, que é do conselho. "Vão levar o livro de posse para ser assinado no presídio de Tremembé? Vamos fazer reuniões lá?", pergunta. Matarazzo deve fazer protesto formal ao conselho."
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De uma forma absolutamente mesquinha o sub-prefeito da sub-região da Sé resolveu cobrar velhas mágoas tripudiando por sobre um homem vencido, banqueiro falido, preso numa penitenciária antes mesmo de ter sido julgado, personagem central de processo kafkiano onde seus defensores apontam a perseguição de um magistrado que já tentou tomar-lhe a própria casa para transformá-la em um museu. Seis anos depois de ter sido enfrentado por Edemar Cid Ferreira, o Conde Andrea Matarazzo, resolveu tornar pública uma coragem insuspeitada até para os frequentadores do seu círculo íntimo, que poderia ter sido exibida em muitíssimas oportunidades anteriores. Com Edemar solto, por exemplo.
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A "coragem" de Andrea Matarazzo vem com mais de meia década de atraso e com o vezo vergonhoso da covardia explícita. É que Edemar peitou o então baronete das verbas de comunicação do governo do príncipe dos sociólogos, pelo desvio de mais de R$ 14 milhões para o pífio pavilhão do Brasil na Feira de Hanover, "operado" por Paulo Henrique Cardoso, primogênito presidencial e notório diletante, em detrimento da Mostra do Redescobrimento, o maior evento cultural brasileiro nos últimos 50 anos, belíssima realização do ex-banqueiro. Há, também, o componente da inveja que atormenta boa parte do society paulistano, que não perdoa a ousadia de Edemar, que com todos os seus pecados, escreveu seu nome na história do mecenato e da cultura brasileira, ao lado de Ciccilo Matarazzo, Yolanda Penteado, Assis Chateaubriand e Niomar Muniz Sodré.
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A "indignação" do Catão da Cracolândia se manifesta frente a um vencido, trancafiado na penitenciária do Tremembé, sem condições de defender-se ou de enfrentá-lo cara-a-cara. Ela não foi exercitada, por exemplo, ao ser indicado para embaixador do Brasil em Roma, quando os senadores da República o submeteram à humilhante espera, ao cabo de sessões onde seu nome foi contestado e sua presumível competência posta em dúvida. E nem quando fingiu poder substituir um profissional da envergadura de Paulo Tarso Flecha de Lima, um dos maiores nomes de nossa diplomacia, afastado por uma picuinha de FHC - aquele a quem Serjão Motta, premonitório no leito de morte, advertia para que não se apequenasse... O Senado jamais havia visto coisa igual, com protelação seguida, comentários jocosos, informações comprometedoras, coisas graves ditas em voz baixa e dossiês que congestionaram escaninhos e arquearam sobrancelhas. Foi, sim, raspando, para o Palácio Dora Phampilli, muito menos por mérito seu, do que por situação resumida pelo comentário ácido do senador Roberto Requião: "Esse, é uma fratura exposta".
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O que, porém, mais me impressiona, é a amnésia do sub da sub. Em 2001, por exemplo, viu seu próprio pai, Giannandrea Carmine Matarazzo, depois de denúncias do conceituado jurista Cid Vieira de Souza Filho, ser apontado pelo promotor João Estevam da Silva como "chefe de bando ou quadrilha" por desvios da ordem de R$ 18 milhões dos cofres do Colégio Dante Alighieri. A inclusão do nome de Andrea - que não foi denunciado no processo e tinha status de Ministro de Estado - garantiu, providencialmente, o foro privilegiado e o sigilo de justiça para seu pai e mais vinte e tantos colegas, "comparsas" para o MP. Atuaram em socorro dos nobres enlameados a toga disponível de Nélson Jobim e a gaveta sonolenta de Geraldo Brindeiro. Serão esses senhores as "pessoas de bem" que se acham "furiosas" com a recondução de um banqueiro falido ao conselho de uma fundação igualmente falida?
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Quando seu nome, ao lado de seus colegas Bresser Pereira, Ricardo Sérgio de Oliveira e Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, foi apontado pela Folha de S. Paulo no célebre rombo de mais de R$ 10 milhões na contabilidade da campanha de reeleição de FHC, onde funcionou um dos maiores caixa 2 da história eleitoral brasileira, coisa de fazer corar os falecidos PC Farias e Delúbio Soares, a indignação do rejeitado ex-morador da Piazza Navona sequer deu o ar de sua graça.
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As gerações nem sempre apuram os valores familiares. Ao contrário. No mais das vezes, podem substituir empreendendores como o velho conde Francisco Matarazzo, um dos pais da industrialização do Brasil moderno, por esse seu descendente, arrecadador de dinheiro para campanhas eleitorais e valentão de coluna social. Assim é a vida.
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Sunday, June 25, 2006

As carpideiras picaretas
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Brilhante e irrespondível artigo de Antonio Machado no Correio Braziliense (www.correioweb.com.br), verdadeira autópsia em defunto putrefato, mostrando toda a sordidez e picaretagem que cerca o fim da velha marafona dos ares. Merece a transcrição.
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Enigmas aéreos
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Sobre a Varig tudo é nebuloso. E quem dela se aproxima parece possuído pelo impulso de transgredir
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Por Antônio Machado - cidadebiz@correioweb.com.br
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Entre as manobras heterodoxas para manter a moribunda Varig no ar e o seu enorme passivo, acima de R$ 7 bilhões — mas, se fizerem as contas bem feitas, pode chegar a R$ 10 bilhões —, há mais coisas estranhas do que sugere a boa vontade do governo em acudir tantos lesados por uma situação insustentável há uma década. Sobre a sua longa agonia muito se escreveu. Mas quanto mais se lê sobre o fim de uma empresa, que em seu auge, nos anos 70 e 80, era eleita como das mais eficientes no mundo, menos se entende. Se estava insolvente desde a metade da década passada, como pôde continuar se financiando junto a seus próprios credores? Olhe que nenhum deles é café pequeno. Tem da Petrobrás à Boeing, que aluga parte dos jatos de uma frota totalmente arrendada. Tem a Infraero, locadora de todas as instalações da Varig nos aeroportos. E também a Receita Federal, o INSS, a CEF, funcionários dispensados, pois há anos ela deixou de recolher os impostos, contribuições sociais, taxas, FGTS, direitos trabalhistas. Não podia estar mais suja.
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Estava em coma, vivendo de aparelhos, e do coma nunca saiu. Como, então, além de manter o crédito na praça, afundando cada vez mais quanto mais se endividava, pôde habilitar-se a ter débitos fiscais refinanciados em 180 meses pelo regime do PAES? Endividar-se junto ao fundo de pensão Aerus, dos funcionários? “Conseguimos provar com documentos detalhados que a atuação da União foi criminosa na fiscalização desse fundo de pensão”, disse o advogado Luís Antônio Castagna Maia, em reunião com os sindicatos que o contrataram para acompanhar sua liquidação. “A mantenedora usava recursos do Aerus para se financiar, o que é absolutamente criminoso e ilegal.”
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A Varig fez tudo isso formalmente, segundo um de seus muitos ex-presidentes da fase terminal, que entrou, viu a feiúra do quadro e se mandou. Mas, informalmente, permitiram aos cardeais da Fundação Ruben Berta, dona da Varig, até dar nó em pingo d’água, como as liminares expedidas pela Justiça contra a Infraero, numa outra espécie de financiamento — no caso, para não recolher tarifas de embarque retidas na venda de passagem e de pouso e decolagem.
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Doente escondido
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Um espanto! Em nenhum momento, dos governos FHC a Lula, se cogitou seriamente em dar um basta, pelo menos enquanto ela tinha valor de marca e patrimônio, bichado, mas com certo charme. Seu patrimônio era negativo e só aumentou. Havia e há, agravada, uma persistente insuficiência de geração de caixa — sinal de que os custos, o que inclui uma folha que a faz se assemelhar a uma estatal, não a uma empresa privada, passaram-se os anos e ainda excede as receitas. Nem assim ocorreu aos doutores da República interromper a sangria dos dinheiros públicos. Assim como as famílias antigas escondiam o parente desenganado, ninguém falava da crise da Varig, no governo, até que se tornou impossível esconder as suas chagas.
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Leilão de vento
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E a Justiça? Merece um capítulo especial o dia em que for escrita a crônica da decadência da Varig. Seu acionista controlador é uma fundação sujeita, pela lei, à fiscalização do Ministério Público. Não deve nunca ter sido fiscalizada ou, se foi, o fiscal devia ser míope. Já com o pé na cova, teve a sua concessão renovada no final de 2004 pelo governo, embora houvesse documentação suficiente para cassar a permissão para voar. Mas... Alto lá! Se é concessão, o que o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do Rio, o protagonista aparentemente final desta tragicomédia, pôs em leilão dias atrás? Se os aviões estão alugados e as rotas, os hangares e os balcões nos aeroportos são do Estado, o que há para vender? Não teria sido sensato o governo retomar o que é seu, para estancar o sangradouro, e, com um leilão, tentar recuperar parte do prejuízo?
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Bom senso nenhum
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Mistérios. Sobre a Varig tudo é nebuloso. Quem dela se aproxima, sabe-se lá porque, parece possuído por um impulso de transgredir leis e o bom senso. Pegue-se o juiz Ayoub. Lá pelas tantas mandou a BR Distribuidora fornecer combustível à Varig, mesmo ela estando inadimplente. Desde quando um juiz pode obrigar uma empresa, mesmo que estatal, a aviltar o seu interesse? Não atentou que o seu ato aumentou a insegurança jurídica que já permeia os investimentos no país? Perguntas. É o que mais se faz. Se apenas uma tivesse tido a resposta no tempo certo, a Varig seria hoje uma beleza.
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Do jeito como caminha o seu final, a Varig sairá de cena como um ente material e ressuscitará, em seguida, como um fantasma que por muito tempo atazanará a vida dos que permitiram tantos desatinos. São tão bisonhos os erros e omissões, que não deverá ser difícil aos funcionários, por exemplo, processar a União e ganhar. Já os credores vão chorar ao bispo. Crescidos, sabiam o que faziam ao financiar uma frota de vento, mesmo as estatais, cujas diretorias têm de aprender a dizer não ao Executivo. Não procurem santos, que eles não existem nesta história.
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Todos têm parte na falência múltipla de uma empresa que chegou a ser uma jóia valiosa. Ninguém — os acionistas, funcionários, o seu fundo de pensão, o governo, os credores — toparam, em algum tempo, sacrificar parte de seus interesses para tentar se construir uma solução. Não faz meses e o sindicato cobrava reajuste salarial...
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Friday, June 23, 2006

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Trilha sonora para o réquiem da defunta
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Saudades dos aviões da Panair
(Milton Nascimento & Fernando Brant)
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Lá vinha o bonde no sobe e desce ladeira
E o motorneiro parava a orquestra um minuto
Para me contar casos da campanha da Itália
E de um tiro que ele não levou, levei um susto imenso
Nas asas da Panair
Descobri que as coisas mudam e que o mundo é pequeno
Nas asas da Panair
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E lá vai menino xingando padre e pedra
E lá vai menino lambendo podre delícia
E lá vai menino senhor de todo fruto
Sem nenhum pecado, sem pavor
O medo em minha vida nasceu muito depois
Descobri que a minha arma é o que a memória guarda
Dos tempos da Panair
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Nada existe que não se esqueça, alguém insiste e fala ao coração
Tudo de triste existe que não se esquece, alguém insiste e fere o coração
Nada de novo existe neste planeta que não se fale aqui na mesa de bar
E aquela briga e aquela fome de bola
E aquele tango e aquela dama da noite
E aquela mancha e a fala oculta
Que no fundo do quintal morreu, morri a cada dia dos dias que vivi
Cerveja que tomo hoje é apenas em memória dos tempos da Panair
A primeira Coca-Cola foi, me lembro bem agora, nas asas da Panair
A maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair
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Em volta dessa mesa velhos e moços lembrando o que já foi
Em volta dessa mesa existem outras falando tão igual
Em volta dessas mesas existe a rua vivendo o seu normal
Em volta dessa rua uma cidade sonhando seus metais
Em volta da cidade...
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ruynogueira@uol.com.br

Tuesday, June 13, 2006

Varig, a hora está chegando
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(Esse pequeno texto é dedicado à memória da Panair do Brasil e é singela homenagem aos seus funcionários ainda vivos, que podem contemplar o final vergonhoso e merecido de sua algoz, a defunta)
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Apesar da chicana de um juiz que extrapolou de suas funções; apesar do estelionato de funcionários mal intencionados agrupados em torno de uma empresa-fantoche, a TGV; apesar do terrorismo de seus funcionários arrogantes e presunçosos; apesar de bandidos como Bóris Berezovsky estarem "operando" soluções miraculosas; apesar do juiz Ayoub ter obrigado a BR distribuidora a fornecer combustível pelo qual jamais irá receber um real; apesar da Infraero já ter quase R$ 600 milhões de dívidas penduradas dessa empresa incompetente e caloteira; apesar de milhares de passageiros já estarem mofando em aeroportos do Brasil e do mundo; apesar de quase 30 jatos estarem no chão, sem manutenção, canibalizados; apesar de tudo isso e um pouco mais, o Brasil se prepara para perder (prazeirosamente, é bom que se registre) um dos últimos bastiões do atraso e da incapacidade empresariais.
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O fim da Varig é motivo de alívio para os cofres públicos, para os contribuintes e para o país. O término de suas operações - espantosamente sem um acidente nessa fase, por puro milagre - deixará no mercado apenas as empresas modernas, ágeis e regidas pelas leis do mercado e ordenadas pela preferência dos usuários. Cai um dos símbolos do atraso na economia nacional e na vida dos brasileiros.
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Deixando bilhões de dívidas, caloteando a Nação e milhares de credores, explode uma empresa racista, familiocrata, degenerada, sócia da ditadura militar, que espionou para os nazistas durante a segunda guerra, que espionou exilados para o regime de 64, que tramou a morte da Panair do Brasil, que comprou políticos e corrompeu brigadeiros, que fez negociatas e pagou mensalões, que promoveu orgias e traficou influências, que se fartou do monopólio durante décadas atrasando o desenvolvimento do Brasil e prejudicando os brasileiros, que cobrou tarifas extorsivas e humilhou seus passageiros como se lhes fizesse um favor em transportá-los, que nadou de braçada nos céus de lama dos anos de chumbo.
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Que a terra lhe seja pesada. Não deixará, como a Panair, qualquer saudade. Só dívidas e lesados.
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10, 9, 8, 7, 6, 5, 4...
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ruynogueira@uol.com.br

Friday, June 09, 2006

Toca o enterro, Ayoub!
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Depois do espetáculo patético onde um juiz de direito, exorbitando de suas funções, faz discurso político e é aplaudido de pé, com fervor xiita, por 1.300 funcionários de uma empresa quebrada - processo no qual eles, os mamadores, tem grande culpa - e só um "comprador" aparece, é hora de, como no trágico verso de Augusto dos Anjos, enterrar a última quimera. Chega! Basta! A incompetência, a desonestidade, a apropriação indébita das taxas da Infraero, o combustível tomado (por decisão inédita e do mesmo juiz) da Petrobrás (e que jamais será pago!), a manutenção precária e que poderá causar sérios incidentes (vejam como estou sendo elegante: in-ci-den-tes...), não podem mais ser tolerados.
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O obscuro TGV, que apresentou a pífia "proposta" no leilão da defunta, faz - segundo o Sindicato Nacional dos Aeronautas em seu site (www.aeronautas.org.br), "gangsterismo"! Está lá, eu lí! E é esse o comprador, o salvador, o grupo empresarial que vai salvar a moribunda marafona dos ares?
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Além do farto noticiário de toda a imprensa nacional, há o do "Correio Braziliense" (www.correioweb.com.br) com imperdível entrevista do presidente da Infraero, brigadeiro José CarlosPereira. Mais lúcido, impossível.
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AVIAÇÃO
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Varig é desacreditada
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Concorrentes desistem de oferecer lance pela companhia e a única proposta, de apenas US$ 449 milhões, coube aos trabalhadores da empresa. Analistas acreditam que o risco de falência ainda é muito alto
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Mariana Mazza, Da equipe do Correio
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O leilão de venda da Varig, ontem no Rio, atraiu muitos investidores, mas nenhum se interessou em adquirir a companhia
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A crença de que a Varig conseguiria se salvar por meio de uma solução de mercado caiu por terra ontem. O melancólico leilão da companhia atraiu investidores privados, especialmente concorrentes do setor. Mas, apenas como observadores. A única proposta partiu dos trabalhadores da empresa, representados pela NV Participações. A rejeição do setor em investir na recuperação da Varig praticamente selou as possibilidades de uma reversão da profunda crise financeira da companhia. A decisão se a aérea fechará as portas imediatamente ou se conseguirá uma sobrevida de alguns meses será conhecida apenas hoje. O juiz responsável pelo caso, Luiz Roberto Ayoub, pediu 24 horas para se pronunciar sobre a proposta da NV Participações, feita apenas na segunda rodada do leilão, onde eram permitidos lances abaixo do preço mínimo. Na primeira rodada, o piso para a venda da Varig era US$ 860 milhões. A oferta da NV foi de US$ 449 milhões, quase metade do preço mínimo, mas acima do valor vil da empresa, estipulado em US$ 420 milhões. O clima ontem era de ceticismo sobre a capacidade de a oferta restabelecer definitivamente as operações da aérea. A proposta eqüivale a R$ 1,010 bilhão, mas apenas R$ 285 milhões — menos de um quarto do total — será pago em dinheiro vivo. A maior parte da oferta, R$ 500 milhões, é respaldada em uma emissão futura de debêntures para participação nos lucros da nova companhia. Os demais R$ 225 milhões virão da renúncia de créditos trabalhistas que os funcionários têm a receber. De acordo com o último balanço divulgado pela aérea, em setembro de 2005, as dívidas com empresas privadas, estatais e funcionários estão na casa dos R$ 5,686 bilhões. Ou seja, apenas 5% do passivo seria quitado imediatamente com o pagamento em dinheiro, caso a proposta seja aceita. Para colocar a mão no restante da oferta, os credores terão que esperar mais um tempo. E, ainda assim, faltariam R$ 4,676 bilhões em dívidas que a NV não será obrigada a arcar, caso leve os ativos da Varig Operacional. Falência aguardada Gol, TAM, Ocean Air e um fundo de investimento chamado Céu Azul chegaram a se credenciar, mas desistiram da disputa. O presidente da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), brigadeiro José Carlos Pereira, acredita que tudo não passou de uma simples estratégia de mercado. A morte da Varig é mais vantajosa para as concorrentes do que a aquisição. O motivo é que, se a aérea falir, as cobiçadas rotas nacionais e internacionais voltam à União e qualquer companhia poderá pedir o horário de vôo à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). “Para que alguém iria investir na Varig podendo conseguir o que quer de graça?”, arremata o presidente da estatal. Após o leilão de apenas 20 minutos, o tom fúnebre se espalhou entre os envolvidos no setor. O presidente da Anac, Milton Zuanazzi, admitiu que a agência está pronta para aplicar um eventual plano de contingência, caso seja decretada a falência da Varig. Em Brasília, o ministro da Defesa, Waldir Pires, lamentou o desinteresse dos investidores e eximiu o governo de culpa pelo iminente fim da companhia. “Fizemos o que foi possível, dentro da lei, para que não faltassem os insumos básicos que permitissem que a Varig continuasse operando”, afirmou. Na contramão, o presidente da aérea, Marcelo Bottini, e o juiz Ayoub saíram otimistas. Bottini disse ter ficado “muito contente” com a aparição de um interessado. Ayoub, que a Varig é uma empresa viável, “com problemas de curtíssimo prazo”. Mas, ao final do dia, o mercado deu outra prova da descrença no futuro da aérea, que já foi a maior da América Latina. As ações da companhia caíram 58% no pregão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), encerrando o dia cotadas a R$ 1,51. Enquanto isso, as ações da Gol e da TAM subiram 4,92% e 7%, respectivamente.
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Solução não cai do céu
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O final trágico do leilão da Varig, com apenas uma proposta feita pelos funcionários, podia ter sido evitado. Os vilões não foram as concorrentes, que desistiram da empreitada na última hora, ou o governo, que não ajudou a companhia. O cerne do problema está dentro da própria Varig, que não investiu de fato no seu processo de recuperação judicial, confiante de que alguma solução cairia do céu. São cinco anos de crise, um dentro da nova Lei de Falências. Tanto tempo se passou e pouquíssimo foi feito para evitar a derrocada da companhia. Apostou na nova da nova Lei de Falências e iniciou um processo de recuperação judicial em 2005. A opção foi boa. A condução, não. A Varig levou meses para criar um plano de recuperação. O texto foi aprovado apenas em dezembro de 2005 e jamais aplicado efetivamente. A aposta era que, quando todas as opções acabassem, ainda haveria algum investidor disposto a comprar a empresa. O sinal ontem foi claro: a Varig, agora, vale mais no chão. É inegável o valor da marca da aérea, mas nome não paga dívidas de R$ 6 bilhões. A Varig escorou-se na crença de que o governo não a deixaria falir. Errou. Apostou suas últimas fichas na idéia de que um investidor pagaria pelo nome da empresa. Errou de novo. A Varig se beneficiou mais de uma vez dos problemas de suas concorrentes. Agora, será a vez delas. (MM)
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Entrevista - brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero
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Infraero sem esperanças
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Há poucos meses na presidência da Infraero, o brigadeiro José Carlos Pereira, não titubeia ao falar o que pensa sobre a crise da Varig. Acredita que não há mais salvação e que a Justiça não deve aprovar a proposta feita ontem. Também concorda com a postura das concorrentes, que apenas esperam a falência da empresa aérea. “Esse é o jogo do mercado.”
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Porque não surgiram investidores privados no leilão?
Para que uma pessoa vai gastar dinheiro com uma coisa que pode conseguir de graça? Se eles não fizerem nada, a Varig cai sozinha. E as linhas caem no seu colo de graça.
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A aprovação da proposta da NV Participações é suficiente para salvar a Varig?
Eu não acredito que ela seja aprovada. O dinheiro não é suficiente para tirar a Varig da crise. Serve apenas para dar uma sobrevida. Mas a agonia voltará logo em seguida.
De quanto tempo seria essa sobrevida?
A Varig não vai longe. Daqui há seis, sete meses ela entra em uma grande crise de novo.
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O senhor acredita que a Varig pagará a dívida com a Infraero?
A apropriação indébita da Varig das taxas de embarque já chega a R$ 27 milhões. Se eu receber isso, já me considero feliz. Porque a dívida corrente mesmo é de R$ 540 milhões. E sabe quando que a Varig vai me pagar? Nunca. Para nós da Infraero não tem muito nhenhenhe. Qualquer número acima de zero, já é vantagem. Existe alguma saída, caso o leilão fracasse? Para a Infraero, a única coisa que nos resta agora é rezar. Não há mais nada a fazer.
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